Monday, April 18, 2005

Tarefas Simples - Parte B

Com um modus operandi destes, não será portanto de admirar que, ao ser solicitada por meu venerando pai para o auxiliar a escolher um par de óculos novos depois de cumprido o horário de funcionária pública, tenha procurado de todas as maneiras possíveis um modo de me esquivar à responsabilidade.

Tendo falhado redondamente na intenção, dei por mim a ser agradavelmente surpreendida pela facilidade com que deslindámos a coisa: os óculos já tinham sido escolhidos, foi só responder por ordem - "Ficam bem?" - "Sim, ficam." - "Então ficam estes mesmos." E tudo ficou resolvido.

Ah, a doce leveza da descomplicação. Ah, o doce tinir dos sinos da resolução. Ah, o calor interior que advém do dever cumprido.

Uns dias passados, recebo um telefonema que desenterra o assunto. Por complot inqualificado, o senhor técnico tinha descoberto uma falha na massa e as lentes não sei quê e então aquilo não estava em condições e já não dava. Era imperativo que me deslocasse à velocidade da luz para o local, porque entretanto tendo dado o golpe de misericórdia nos seus próprios óculos

imagino, sentou-se em cima deles, praí!,

o meu pai estava incapaz de ver 2 bois a dançar o tango à sua frente, quanto mais agora ver armações.

Respondendo ao grito de emergência, sujeito-me a cerca de 3 249 tipos de vírus e bactérias diferentes a que o pobre e frágil ser humano se sujeita de cada vez que entra num transporte público, chego com prontidão para bramir 26 anos (agora vão ter que levar com a idade mais uns tempinhos... é novidade, há-que agitá-la com estardalhaço, qual bandeira carregada de honra e orgulho e as outras coisas que se costumam cantar nos hinos nacionais e que agora não me ocorrem)

pessoalmente, não gosto da melodia do nosso, a letra é assaz bélica e o coro absolutamente suicida - modos que eu, uma cachopa tão bem-dispostita com a vida, dou por mim a trautear "nanananana.... CONTRA OS CANHÕES MARCHAR, MARCHAR"... nananana. )

de gosto impecável e intransigente perícia no opinar estético, (Se descontarmos os anos em que me vestiram)

já não bastava serem os anos 80, tive que passar a infância e a primeira parte dos anos 90 com tudo pelos tornozelos e pelos cotovelos, com combinações cromáticas dignas de um daltónico eremita (sem a benesse do aval de terceiros, portanto), com os cumprimentos da mãezinha, que na altura não ligava a essas trivialidades; e de um ritmo de crescimento de brontossauro onde reinavam velociraptors (criaturinhas baixinhas e más que me torturaram com diversos nomes de animais de savana)

e transformar-me nos olhos do pobre. Um autêntico pastor-alemão, cão-guia da moda.
Et, voilà!! Duas horas a esgotar a paciência de uma funcionária mimosa, revolvendo o local à procura das pestes que não apareciam

muito clássico

não gosto da cor

muito grandes

não se adaptam às lentes

fazem-me velho

estou ridículo

e por grotesco azar sentados nas cadeiritas previamente aquecidas por alguém que certamente não precisa de consultar o seu saldo de conta com a mesma sofreguidão exasperada que a nossa, porque à nossa frente jaziam não os despojos de armações, mas um autêntico desfile: ele era Yves Saint Laurent, ele era Gucci, ele era Calvin Klein,

ele era o meu pai, a fazer beicinho, todo zarolho, a declarar "Ena, estes assentam-me mesmo bem na cara, gosto da forma, é mesmo isto" e eu a interromper, com os dentes cerrados, "Dou-lhe trezentas e noventa e sete ponto trinta razões para não quere essas armações"

e logo a busca incessante a ser retomada, viagens de ida e volta pacientemente trilhadas pela futura-prémio-Nobel-da-Paz, até ao glorioso momento em que nos sentámos, em mesa redonda, a fitar as 2 opções finais. Mais um

"E estes?"

"Agora estes."

"Agora estes outra vez."

"Vê os primeiros, só para ter a certeza."

"Ponha lá os outros, que já estou almareada...?"

e declarava, com toda a arrogância e certeza: "Os primeiros." Sem dúvida eram os primeiros, que a cor até puxava pelo verde nos olhos e rejuvenescia a cara, etc. E logo o pai, para contrariar, gostava mais dos outros. Replico com o diplomático: "O que é preciso é que goste, é o pai que os vai usar",

aqueles também lhe ficavam deveras bem, ai a coisa,

e imediatamente este meu assentir já lixava tudo, porque lhe semeava a dúvida de novo na alma.

É neste ponto que o colosso teimoso que me emprestou alguns dos genes volta a sua atenção e focalizado charme para a libelinha funcionária, cujos olhar de candura rapidamente se enevoavam com um certo e compreensível pânico, e lhe deposita o peso da opinião de desempate. A menina votou pelos segundos, eu reviro os olhos, mas aceito e seguimos o nosso caminho.

Uma hora depois de chegada a casa,

não sem quebrar o meu próprio record de corrida de velocidade atrás do autocarro e não sem sair do dito com mais 5 484 novas criaturas microscópicas e potencialmente nocivas a dançar no organismo,

nova chamada. O sempre atento senhor técnico descobrira não sei o quê que também era incompatível com as escolhidas. Ficavam as armações que eu ditara, sem mais ai-nem-ui.

Moral da história?

É claro que não há moral nenhuma, mas sinto hoje a obrigação de justificar este arrazoado com um fim superior.

Mái díars... Ai éme áluaise ráite!!

4 comments:

Anonymous said...

Ganda ingnorante! Nao é "aluaise" e sim "OLUAISE". Se voce nao sabe inguelez, nao se arme em mais esperta do que é.

Anonymous said...

Minha Filha, o teu relato peca por maldade! Se não melhoras a imagem q transmites do teu Progenitor, mando-te para o Vaticano lavar as cuecas dos cardeais! Dass!!

S said...

Sr. Professor, é "áluais" si-senhor, porque é inglês texano. Não vê que as vogais são muito mais abertas?!

Anonymous said...

Ao "teu (santo) pai"...

Para além desta extensa lista de factos crueis e bem reais (que um destes dias veio "aterrar" na minha caixa de correio electrónico):

"Ser homem é:
>
> - sentir a dor física de uma bolada nos tomates;
>
> - a tortura de ter de usar fato e gravata no Verão;
>
> - o suplício de fazer a barba todos os dias;
>
> - o desespero.. das cuecas apertadas;
>
> - a loucura que é fingir indiferença diante de uma mulher sem soutien;
>
> - a loucura de resistir olhar para umas pernas com uma mini-saia;
>
> - ir à praia e resistir olhar para aquele mulherão que.. está deitada ao
>lado;
>
> - viver sob o permanente risco de ter de andar à porrada;
>
> - vigiar o grelhador no churrasco ao fim de semana,enquanto todos se
>divertem;
>
> - ter sempre de resolver os problemas do carro;
>
> - ter de reparar na roupa nova dela; ter de reparar que ela mudou de
>perfume;
>
> - ter de reparar que ela mudou a tinta do cabelo de I media 713 para 731
>loiro/bege;
>
> - ter de reparar que ela cortou o cabelo, mesmo que seja só 1cm;
>
> - ter de jamais reparar que ela está com um pouco de celulite;
>
> - ter de jamais dizer que ela engordou, mesmo que seja a pura verdade;
>
> - desviar os olhos do decote da secretária, que se faz distraída e deixa
>a
>blusa desabotoada até ao umbigo;
>
> - ter a obrigação de ser um atleta sexual;
>
> - ter a suspeita de que ela, com todos aqueles suspiros e gemidos, só
>está a
>tentar incentivar-nos;
>
> - ouvir um NÃO, virar para o lado conformado e dormir, apesar da vontade
>de
>partir o quarto todo e fazer um escândalo;
>
> - ter de ouvi-la dizer que está sem... roupa;
>
> - ter de almoçar aos domingos na casa dos sogros, discutir política com
>aquele velho tinhoso; (bom bom.. alguns n são.. mas é raro !!!)
>
> Depois elas ainda acham que é fácil, só porque NÃO TEMOS O
>PERÍODO!!!...."

acresce, no seu caso, ser alvo das investidas da sua digníssima filha que, sem qualquer pejo, o vilipendia na blogosfera...

PS: Ó musa, não fiques irritada!!... isto foi só um pretexto para enriquecer o teu "blog" com a pérola de conhecimento empírico que é o texto acima transcrito...