Monday, April 23, 2012

Percebo perfeitamente que nas grandes arrumações, haja sempre uma fase de caos apocalíptico que antecede a ordem. O que me irrita profusamente, é que seja a fase mais COMPRIDA. Disse comprida? Desculpem, é o cansaço. O que eu queria dizer mesmo é INTERMINÁVEL. E agora com licença, que tenho ali um encontro de primeiro grau com o apocalipse. Suspiro. Bodega.

Monday, March 26, 2012

Doçaria de terror.

Por alguma razão que, claro, me escapa completamente, os resultados materiais das minhas incursões culinárias acabam sempre com um aspecto suspeitosamente próximo de um figurante especial num filme de animação de Tim Burton.

Wednesday, August 03, 2005

Outros males.

A administração pública mata-me. Eu bem sei que acabo de sair do hospital. Eu bem sei que a pernita ainda chora a ausência daquela veita saidita, azul-esverdeada, que latejava, pulsante, atrevida, de cada vez que os rigores de um dia mais esforçado ou um funana mais violento a picava. Está claro que ainda nem convalesci própria e definitivamente do esquartejamento do membro inferior esquerdo (é a perna, palermas. As mamas ainda não tão assim tão descaídas, táaaaa?). Mas a administração pública faz-me mal, é mesmo assim. Põe-me doente, não há outra opção. Envelhece-me a cútis. Dá-me taquicardia. Estrambelha-me o estômago. Enfraquece-me o cabelo.

Ontem arrasto o esqueleto por baixo de um calor tropical até à repartição de finanças da minha zona. O Estado, essa vaca de tetas secas, repescou-me o I.R.S. para auditoria, a querer que eu explicasse coisinhas sem importância - o iate, as vivendas no Algarve (só uma é cobardia), os terrenos na Suíça (porque não cabe na cabeça de ninguém querer um pedaço de relva fria na Suíça), a ilha privada na Polinésia e outras trivialidades materiais que adquiri, apesar de auferir um salário mínimo.

(Note-se que aqui se encontra subjacente o segredo da fuga ao fisco portuguesa: a "petite nuance" que separa "o" salário mínimo (artigo definido que corresponde à quantia convencionada) de "um" salário mínimo (que depende, claro está, da consciência de cada um e aí, meus amiguitos, ninguém tem o direito de julgar!!!)

Chego ao arejado e ergonómico espaço, retiro a senha, aguaaaaaaaaaaaaaardo a minha vez, dirijo-me ao balcão e saco dos papelinhos.

"Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhh, estamos sem sistema!"

"Sem sistema?!... E agora?! Não dá para...."

"Sem sistema não lhe consigo fazer nada. Experimente esperar um pouco, isto às vezes... pode ser que...! Sente aí que eu vou despachando aqui este senhor..."
(Reparem bem aqui no estímulo e na fé: "Experimente!", o repto de inovação que com certeza é já reflexo da política de "Tecnologia e Inovação" do fotogénico Sócrates e "Pode ser que...!", porque este é um país de esperança, porque não nos deixamos abater pelas circunstâncias, porque foi assim que chegámos à Índia por mares nunca dantes navegados.)

Sento-me, consternada e aguaaaaaaaaaaaaaardo.

Nos momentos em que não ocupo a mente com a morte da bezerra (um mistério que há anos tento deslindar e não há maneira de lá chegar... Afinal como morreu esse precioso bovino, misericórdia?!), captam-me os ouvidos doces trechos deste género:
"...Ai, mas este não pode ser o responsável! Sem domicílio fiscal definit..."
"...Mas já lhe expliquei que..."
"...É porque não é o artigo 7..."
"...Mas repare que o artigo 7 diz..."
"...Tem que ser o 16 ou o..."
"Não , desculpe, eu leio e interpreto que..."
"...ou é o 16º ou o... Não, é que o 7º não pode..."

Corto a conversa, na interrogação vomitada a medo: " O sistema já...?". Não, o sistema nada. Torno a sentar a perna lesionada.

"...Pronto, então deixa o 7º, mas tem que ter o contribuinte do senhor!"

"...Mas se já disse que...!"

A funcionária e o contabilista rezingam, fazem as pazes, discordam, arrulham e decidem finalmente a trégua. Eu agradeço interiormente a ausência de propagação de sons fiscais e números e alíneas, mas o silêncio é curto. Bem entrego lânguidos olhares à funcionária, mas sou recebida com um aceno negativo. O sistema, ai o sistema.

Alinha-se assim a próxima vítima. Eu volto ao enredo da bezerra e acordo com outra hostilidade aberta:

"...pois, só que agora TEEEM que pagar a multa!"
"...mas se me informaram nas Finanças que o modelo não precisava de..."
"... pois, só que agora TEEEM que pagar os cento e vinte e cinco euros!"
"...mas repare... Eu não sabia, logo perguntei, a resposta que me deram foi.."
"... pois, só que agora TEEEM que pagar os cento e vinte e cinco euros!"

Enfim, não variou muito destas linha, com o cruel mote "... pois, só que agora TEEEM que pagar os cento e vinte e cinco euros!" repetido em tom estridente, a coçar aquela notinha particularmente irritante e aguda que que causa enxaqueca a qualquer par de ouvidos minimamente... humanos.

A sentenciada desocupa o balcão, penduro-me eu no espaço vazio e desta vez a sorte (a tal que lixou o sistema) finalmente me bafeja a face. Entrego o papelucho outra vez, junto o Cartão de Contribuinte, ouço o "tic tic tic tic" de 10 teclas e de repente um "Aaaaaaaaahhhhhhh. Isto não é nesta repartição!"

Todo o sangue se reúne nas faces (fui eu operada por causa da má circulação e afinal é assim que se puxa o sangue das pernas! Porque é que não pensei nisto antes, caramba. Uma ida semanal a uma repartição de finanças e tinha metade dos derrames), a mostarda está concentrada no nariz. A minha ira foi invocada.

"Como é que não...?!?!?!"

"...porque nesta morada o bairro é..."
"...mas se está escrito no cartão que é este bair..."
"...Pooooois, mas está errado e isto tem que ser alterado..."
"...mas então foi erro de quem emitiu..."
"...Pois, claro, não é sua culpa, nem a minha, mas agora o que..."

Para encurtar a história, que a memória é muito fresca e dolorosa e parece que sinto azia outra vez, depois de consultarmos o livro com os códigos postais, olharmos para o cartão, conferirmos o B.I., alterarmos no sistema e eu sei lá que mais... Dei por mim finalmente a abandonar o consultório de tributação, deixando para trás perto de uma dezena de carinhas tristonhas e desconsoladas e tentando não me desesperar com o facto de

"...É que faltam aqui os recibos de renda dos meses de...!"

ter que lá voltar amanhã.

Não me interpretem mal. Não me estou a queixar da funcionária. A senhora estava sozinha e aflita (muito triste) e de facto fez o melhor que podia e de facto não tem culpa de ter a voz estridente e de facto lá que tentou, tentou. Ainda assim... Um Valium, por favor.

Monday, July 18, 2005

Somebody call the Doctor, please.

Depois de uma semana perfeitamente pacata e típica, que incluiu

pintar o escritório, pelo que me pavoneava despudoradamente com um ar algo híbrido de imigrante ilegal com americana paranóica em exercício nuclear em plena Guerra Fria (se bem que a máscara sempre me disfarçava o nariz);

assistir ao Campeonato Europa Divisão C de Basquetebol em Cadeiras de Rodas (a Grécia ficou em 3º lugar e Portugal alcançou um histórico 5º lugar) e acabar na borga com os Croatas (2º lugar) e os Gregos;

apanhar uma alergia com o nome ultra-chique de "pitiríase rosa" (rosa, essa cor tão na palette da Primavera-Verão 2005) e com isso ganhar acesso ao "Twilight Zone" que é o espaço de Urgências dos nossos amados hospitais e uufruir do sempre renovado choque que é puxar da senhazinha, porque por muito mau que o imaginemos, NUNCA conseguimos acertar na previsão numérica correcta que separa o deprimente algarismo desse pedacito ranhoso de folha, da nossa vez;

preparo-me para me fazer o óbvio no rico dia de amanhã: drogar-me e deixar que alguém que se licenciou em esquartejamento de pernas chafurde nas veias de um dos meus tão popularmente longos apêndices motores e tente a sua sorte.

Sim, meninos, porque esta torre ambulante de humor corrosivo, este colosso de mulher que é a vossa rabugenta diva grega aterrou neste mundo com uma chatice de velhos muito pouco própria de divas chamada má circulação. Sim, meus caros, vão-me sacar uma variz. Uma sacana duma variz, mesmo. Não há direito.

Aguardam-me 10 dias de repouso total - uhuhuh, sim, sim, claro, claro - em casa, pelo se aceitam mensagens de amor (mas isso comedido, rapaziada, que já fui fisgada por um emigrante calado-mas-não-tanto-assim e não tou para chatices, ai a coisa, conformem-se, já disse) e manifestações de solidariedade (vale tudo, menos auto-mutilação), no que aproveito para largar as seguintes singelas sugestões:

Mensagens de texto via telemóvel; Telefonemas; A oferta de ecran de plasma gigante com DVD; Aparecerem no ghetto chique em que vou hibernar com um dos ou todos os seguintes bens alimentares: brigadeiros de chocolate, gelado de morango caseiro, tarte de limão merengada, lasagna vegetariana, robalo grelhado com batatinhas assadas e molho de manteiga e alho, caipirinha.

Com estas pequenas insinuações me despeço, certa de que a imagem desoladora da Grega numa bata tinhosa de hospital (aquelas tretas nunca atam como deve ser atrás e quando não expomos, em vitupério absoluto, o rabo aos corredores da Cirurgia, no mínino sofremos com a corrente de ar nessa zona tão sensível e querida. Rabos frios não apetece a ninguém, caramba.) vos impelirá aos corredores do supermercado mais próximo.

Até lá, farewell. Beam me up, Scottie.

Monday, July 11, 2005

Ode à Sexta-Feira


miau miau

Aaaaaaaaaaahhhhhhhh, sexta-feira, clímax cronológico da semana proletária,

sexta-feira, musa de inumeráveis canções e filmes,

sexta-feira, essa palavra que se espreguiça, lascivamente, entre a língua o céu da boca

sexta-feira, o único nome próprio digno de acompanhar Robinson Crusoé no isolamento de uma ilha localizada algures no rabo do discípulo traidor (o chamado "cu de Judas", para os que não lêem a Bíblia e nem sabem quem foi o discípulo traidor - tss tss),

sexta-feira, esse vislumbre comovente da linha de meta,

sexta-feira, sexta-feira,sexta-feira. Oooooooooooooooooh, sexta-feira.

Abranda o ritmo cardíaco, o sangue flui mais regular nas veias, o cérebro (esta caganita do tamanho de um tubérculo que para aqui lateja de vez em quando) refreia os sinais eléctricos que o fazem funcionar e encostamo-nos à ideia de um fim-de-semana que provavelmente será passado num ápice e com a emoção de uma aula de Introdução à Contabilidade, mas que por ora - agora - é uma doce e inebriante promessa de liberdade. Oh, sim. Sexta-feira.

(E sim, já reparei que ainda vamos na Segunda.)

Friday, June 24, 2005

Confissão

Quando comecei este rico ninho vocabular, apregoei - e justificadamente, diria - que seria recipiente das minhas constantes e involuntárias desventuras ou pelo menos o eco de uma visão algo acidazinha dos (múltiplos) pequenos contratempos da vidinha quotidiana. Ocasionalmente, aproveitaria para lançar alguma verdade constrangedora de sabedoria (o que ainda não aconteceu) ou abençoar-vos com este abismo de cultura geral e opiniões válidas sobre o mundo actual (também não, mas não percam esperança, que mais dia, menos dia, o Marcelo Rebelo de Sousa cansa-se e incontornavelmente que sou a 2ª opção mais óbvia).

Dito isto, é com um forte rubor nas faces e engolindo em seco que confesso ter passado 10 dias estupendos de férias em Itália, a enfardar-me de massa e a evitar estoicamente crises aerofágicas, a deambular por Génova, a amassar as costas contra as praias de pedras e rochas do Mediterrâneo, a practicar o F.D.C.Q.T.P.C.* em certas ruas de Milão, enfim... Eu nem tenho coragem de fazer o relato completo, até porque a ultima coisa que pretendo é que a estampa de anúncio Martini que me acompanhou no processo seja assediado por papparazzi**. Foi o deboche total.

5 dias volvidos deste indesculpável relato de felicidade, não tenho uma única amargurazinha para relatar. E, para cúmulo, já é 6ª feira. Descanso outra vez. Sei que vos desaponto, mas aguardo alguma complacência. Isto é só esperar um bocadinho que o efeito das férias passa. Hoje mesmo, por exemplo, posso tropeçar do alto das minhas socas e sabe-se lá que historieta isso não fabricará!!! (Se não tropeçar, lanço-me das socas, prometo.)

Assim me despeço. A Musa Grega, diva dos blogs, anda bem-disposta. Perdoem-me... e até breve.

*F.D.C.Q.T.P.C. - Faz De Conta Que Tenho Poder de Compra, modalidade que envolve geralmente o embaciar pouco discreto das vitrine da Valentino, Yves Saint-Laurent, Christian Dior, Armani, etc. e que em prácticas mais extremas pode, inclusivamente, levar ao esparramar completo das bochechas, nariz e mesmo do resto do corpo completo contra as ditas montras. Não é bonito de se ver.

**Agora também estás tramado, querido.

Tuesday, June 07, 2005

Dolce Fare Niente

Depois de uma primeira noite que auspiciava um remate diferente - chegadas às 3 da matina, via-me entrincheirada num sofá-cama com mana e irmã (sim, éramos mesmo 3), com um gato de 2 meses que se recreou noite fora

(o que sobrava da noite)

a pulular nos nossos estômagos, a morder os deditos dos pés, a arranhar as coxitas, a correr para lá e para cá e para lá e para cá e para lá e para cá e para lá e para cá e para lá e para cá e (já estão a perceber), maneiras que quando não se acordava por se ser a vítima, acordava-se com o berro da vítima do lado, que acabara de acordar de sobressalto com o bichano em cheio na boca e cuspia a bola de pêlo em pânico. A abençoada salita era um coro gregoriano de "ai-ui-ah-ah-ah", logo seguido de um brutal "QUE É QUE FOI, QUE É QUE FOI?!" do ente querido que na altura nos espetava o cotovelo nas costas, mas que até se preocupava (era à vez).

Não me interpretem mal, que o gatinho e eu ficámos unha com carne

(a minha carne na unha dele, entenda-se),

mas quando no dia seguinte o mini-felino teve o desplante de descansar de todo o exercício físico practicado de véspera sobre os nossos corpos fatigados, ocorreu-me que aquilo não era vida, pelo que a situação evidentemente melhorou na 2ª noite, quando num daqueles meus rasgos de génio que tanto faço questão de publicitar larguei

a caixa de areia do gato, a cama do gato e o gato

no corredor e fiz ouviditos de mercador aos miados do bichano. Dormi como um anjinho (isto se já tiverem provado que os anjos ocasionalmente dormem de boca aberta e babam a almofada).

Depois disso,

e é com lagrimetas penduradas no rímmel, cavando um inestético ribeiro negro bochechita morena abaixo que o digo,

aqui declaro comovida que o fim-de-semana foi tudo o que sonhei. Com indelével perícia, manuseei aquele factor 40 e aquele factor 25 e aquele factor 10 ao longo de horas transpiradas à torreira do sol e abri caminho ao estatuto de bomba latina (mais coisa, menos coisa, estou lá), desfilando de fronte erguida entre inúmeros bifes e gambas estrangeiritas, qual Rainha do Sul.

O facto é que me esquecera do quão bom é

não ter que planear com rigores militares a praia que pretendemos atacar, o percurso que devemos tomar, as horas a que devemos sair, as horas a que devemos voltar;

não ter que amassar o ouvido junto à coluna do rádio para ouvir o relatório do trânsito;

não ter que esbracejar e desesperar em horas de trânsito, mesmo que tenhamos cumprido à risca as 2 últimas premissas;

e também esquecera do quão bom é

estarmos todas, juntas, as 3 manas e a mãe. Podemos ser malucas, podemos ser doidas, podemos agir de modo insano e complicar tudo (pronto eu corrijo. Ou melhor, corrijam os meninos: é só passar a frase a singular), mas XIÇA, que somos felizes juntas (esta última parte mantém-se no plural)!!!!! Que mulheres estupendas, caramba. :-)