Tuesday, April 05, 2005

O Papa I

O Papa morreu.

Ai que eu não aguento. Ora PORRA DO CARAÇAS, que houve algum pirata matreiro que sabotou a televisão e o rádio e os jornais, porque vejam lá que NÃO SE VÊ, NÃO SE OUVE, NÃO SE SENTE NADA PARA ALÉM DO AR EMPESTADO DA CARA, DO CHEIRO, DA AURA DO PAPA MORTO.

Meninos, o senhor morreu. É um facto. Dir-se-ia, aliás, que não constituiria surpresa de espécie alguma para ninguém, tal foi a eficaz cobertura de abutre que a imprensa dedicou, de alma e coração e amor às sondagens, a essa morte. Fomos sucessivamente bombardeados com imagens de multidões que aguardavam por baixo da sua janela, sequiosos de novidades sobre o seu estado de saúde. Atenção que não critico a homenagem e o apoio que as pessoas lhe quiseram mostrar. Tudo bem. Gostavam dele, fizeram uma vigília. Certo. Mas a cobertura mediática, apre, a COBERTURA MEDIÁTICA!!! As notícias tocavam a orla do ridículo - era quase um

"Ao que parece, fontes alegam que o Papa terá aberto uma pestana... Não.... um momento... esta informação está a ser actualizada... Não, falso alarme, afinal não foi a pestana que abriu, foi uma ilusão óptica causada pela profusão de branco no quarto com a luz fluorescente... Não deixaremos, contudo, de estar atentos a QUALQUER MOVIMENTO OU AMEAÇA DE MOVIMENTO por parte do Sumo Pontífice. "

E agora que o seu sofrimento acabou, partimos nós para a dor crónica. Um milhão de casquinhas humanas decide espremer-se para ver o corpo (serei apenas eu que acha isto mórbido?!!), um milhão de pessoas aguenta-se estoicamente 24 horas nas suas próprias canetas

(E se lhes apetece fazer xixi ou cócó, irra? - A mami e eu ontem bem nos entretemos a gizar planos exequíveis para uma eventualidade intestinal, mas a julgar pela fila, não 'tou a ver. Comé... uma pessoa sai e depois quer voltar a entrar e tem 999 999 caras trombudas que convenientemente não se recordam da delicadeza dos nossos traços e vai daí ou a) Começamos uma rixa com efeito dominó e tornamos as imagens aéreas das TVs de todo o mundo muito mais dinâmicas, carregando o fardo de ter inserido o termo "porrada" na solenidades fúnebres do Papa ou b) Vamos pró fim da fila. Eh, lá. É lixadinho.)

na esperança de ver aquilo que a sua própria fé afiança não passar de uma cápsula sem importância, porque o espírito partiu, foi, já não está no Vaticano. E eu, que estou por cá, que não tenciono incorporar a turba de vassalos, que quero ver o telejornalzinho saber o que se passa no resto do mundo e neste país para fazer boa figura se alguém de repente, a meio de uma tarrachinha, me decidir perguntar

"E aquela coisa do Quirguistão, hem? Uma chatice!"

eu, que pensava que o jornalismo era o "O quê, quando, onde, como" e ao invés me vejo obrigada a mastigar episódios novelísticos sem a benesse de um protagonista que desperte sensações hormonais agradáveis...

Eu, dizia

(com a quantidade de "eu"s que para aqui vai, suponho que seja tarde para disfarçar o meu narcisismo?)

não me canso de enojar com este exagero histérico que pretendem vender como "zelo jornalístico".

Não pretendo ser a estúpida a negar o que este líder religioso em particular pesou na História do nosso século... É sobejamente conhecido as suas incansáveis tentativas de propagar uma mensagem mundial de paz, blá, blá, blá. E todavia, como todos os homens - fez coisas boas e grandes porcarias.

É que detesto ser eu a lembrar, mas nem que cada um dos dedicados viajantes acendesse 3 velitas - uma por cada mão e outra na boca, à laia de penitência - se conseguia celebrar a memória de sequer uma significativa percentagem de todos aqueles

que respiravam, que sonhavam, que podiam ser bonitos ou feios ou musicais ou matemáticos ou qualquer coisa e certamente eram amados e amavam e por isso faziam a diferença para uma ou muitas outras pessoas que morreram com certeza um pouco com as suas mortes

que não estariam a partilhar o Céu ou o Inferno com o Papa se tivessem usado o bom senso e um preservativo.

(desculpem, aposto que o meu nível de popularidade mergulhou no mais ímpio dos abismos,

ousei sugerir que o Papa podia ir para o Céu... ou o Inferno!

mas não sou eu o Juíz e apesar de sinceramente recomendar sempre no meu íntimo o Céu - claro - a sério que não o envio para lado nenhum.)