Há já 2 semanas que estava decidida a experimentar uma aula de Tai Chi Taoísta. O descritivo prometia maravilhas: mexiam-se as articulações todas, combatia-se o stress, obrigava a um elevado grau de concentração, pela precisão e complexidade da coreografia dos movimentos... Tudo era lento e disciplinado e místico e super ultra mega bom. E a mensalidade estava dentro dos semíticos limites do meu orçamento.
A coisa estava a ser adiada porque decidi entretanto entupir o meu horário pós-laboral com um Curso Intensivo de Língua e Cultura Swahili de 15 dias,
(prometo divulgar, num próximo achaque literário digno de Pulitzer - para não fugir à minha habitual regra de excelência escrita - algumas das pérolas de sabedoria popular que colhi de um livro que rodava pela sala (e que monopolizei sem pudor) enquanto nos era explicado qualquer coisa importantíssima sobre qualquer coisa importantíssima e que tinha um relevo importantíssimo sobre qualquer outra coisa importantíssima. Eu apanhei que era importantíssimo, que eu tenho uma sensibilidade superior para discernir este tipo de coisas.)
para além das aulas de grego, que a mãe, com um olhar que encolheu estes quase 2m de mulher à altura de um duende irlandês, PROIBIU de faltar
(quer dizer eu conduzo, eu trabalho, eu saio à noite, eu tenho uma licenciatura, co'um caneco, eu já tenho um quarto de século, que caramba, depois é isto, parece que tenho 7 anos, ora pois, isto é tudo muito bonito, sim senhora, esta coisa toda da independência, que faço o que quero, eu é que mando, eu é que sei e depois de repente adquiro a firmeza medular espinal de um molusco e "sim, sim, mami", ponto final, parágrafo).
Acontece que o swahili foi à vida, o professor de grego vai celebrar a Páscoa do nosso calendário (a do ortodoxo chega mais tarde e nessa altura tenho direito a borrego no forno com batatinhas.... hmmm...) e eu na 2ª feira convenci a mãe a largar €7,60 para vermos "O Segredo da Casa dos Punhais". Saímos as duas deslumbradas com as cores, os cenários, as coreografias, os actores, tudo tudo tudo. Eu convicta que tinha recebido um sinal. Era desta. Inspiradíssima, preparava-me para dizer adeus à girafa nervosa de savana urbana e estalar da crisálida, qual fénix renascida, qual serena garça, qual bela Mei (a heroína da história). Tai Chi comigo!
Ontem saio toda pimpona do escritório, amaldiçoada desde logo pelo peso do saco de loja com o equipamento lá dentro e um saco de plástico do talho do Minipreço contendo as marmitas da semana - 5 "tupperware" espremidos sem o mínimo de discrição, a espreitar pelas asas esticadas do saco, em nítido desafio à minha "toillette" "New York casual" e ao meu andar sofisticado,
(gostava de ver o elenco do "Sex and the City" a singrar na sua imagem com um sacalhão de plásticos a marcar as mãos e a contaminar a manicure francesa)
entro na estação, ando no metro, troco de linha, ando no metro, saio da estação prontíssima para trabalhar corpo e espírito e descubro que me esqueci da morada nalgum dos locais não identificados onde por hábito vou largando os meus pertences, apenas para manter agudo o meu espírito de detective.
NO PROBLEM.
Lembrava-me do nome da rua. As fundações taoístas não crescem como cogumelos ou Pingos Doces pelas esquinas urinadas da nossa cidade, portanto era apenas uma questão de observar com atenção os prédios de um lado e de outro.
ERRADO.
Tendo descoberto, da maneira mais cansativa possível, que a R. Rodrigues Sampaio é uma rua comprida que como todas as ruas inclinadas, só denuncia a sua verdadeira inclinação se depois a tivermos que subir; tendo ido parar à Universidade de Yoga, por puro desespero de causa, género
"Estão tod
os metidos na cena oriental, é tudo uma máfia, com certeza que saberão onde se camuflaram os taoístas",para concluir que o meu toque de campaínha não se ouvia lá do Nirvana onde devem pairar, etéreas as funcionárias da secretaria do estabelecimento, que prometia um horário 10:00h-20:00h
(às tantas trabalham num fuso diferente e eu é que sou tapada. Afinal eu é que preciso do Tai Chi para acalmar a minha natureza impulsiva e impaciente. Aquilo devia ser um teste e eu falhei, porque o meu sobrolho era um vinco com a profundidade do Grand Canyon, a minha boca já pendia de lado com a neura, o ar estava empestado do fumo que saía das minhas orelhitas).
Eis senão quando no plano secundário vislumbro 2 indivíduos a remexer num contentor industrial e a sacar cá para fora tecidos brilhantes de todas as cores e padrões imagináveis. Eram laços, lenços, cintas de "smoking", camisas de homem, tudo do bom e do melhor, tudo metido no lixo, porque evidentemente nem pensar em dar a alguma instituição social, porque estas coisas até tinham etiqueta e nós quando damos alguma coisa, tem que ter o mínimo de 15 000 borbotos, que é para toda a gente reparar pelo aspecto coçado que foi dado.
Qual relâmpago, atravessou-se-me no espírito a visão de múltiplos e possíveis propósitos para tudo aquilo, desde acessórios para fatos de peças de teatro para dos miúdos lá da igreja, passando pelo bazar até ao Centro Comunitário. Lá me juntei ao dueto.
Foi assim que acabei o dia a esperar 15 minutos pelo raio do autocarro, pernas moídas da marcha, braços tensos do lastro têxtil, cabelo despenteado e revolto colado à testa, o espírito por cultivar, mas com o sentido de caridade e dever cumprido que faltou aos malditos taoístas, quando foram incapazes de gastar uns míseros euritos para SINALIZAR A BODEGA DA SUA SEDE.
6 comments:
Taoismo vs. impacientismo, pois. Nao seria o caso da dita sede ficar numa cave ou, mesmo, num r/c e esses 2 metros de mulher estarem demasiado elevados para encontra-la? Por outro lado, olhando a coisa pela positiva, ainda que o espirito/mente nao tenha sido cheio com a projectada sessao taoista, pelo menos as maos voltaram cheias com os despojos encontrados no lixo. Assim éké, ó Grega! :-) Stone
Que memórias vieram à minha mente enquanto lia este surreal (e, no entanto, tão real) relato da tua épica viagem em busca do almejado Tai Chi...
Como aquela vez em que, para poupar uns míseros escudos (sim, ainda estavamos na época dos escudos), resolvi ir a pé, após abandonar o comboio em Benfica (tenho passe social de comboio e metro), no encalço do consultório do médico sito na Estrada de Benfica... pois é, Estrada de Benfica logo a lógica levou-me a sair em Benfica... puro engano! Na minha ingenuidade gritante pensava que a dita estrada era pequena e pus-me a andar, a andar, a andar (e ia perguntando a toda a gente a direcção da Estrada de Benfica) tanto que vi-me a circular na "2ª circular" (ainda por cima estava a chover e, como qualquer paciente que se preze, estava vestido a rigor para a consulta...), passar pelo Estádio da Luz, acabando num ermo perto das Telheiras!! Felizmente que ainda tinha tempo para chegar a tempo à consulta e não desisti nem desesperei... voltei à carga, calcorreando outro caminho sempre na senda do maldito consultório da Estrada de Benfica e acabei por "desaguar" na Damaia... claro está que, com tanta desventura, a hora da consulta já tinha passado e, cansado do cansaço físico e da frustração, meti-me no autocarro (e, consequentemente, acabei por não poupar o dinheiro do autocarro...), já com parte da indumentária (calças) completamente salpicada de lama, e regressei a casa... O mais frustrante foi descobrir, aquando da ida à consulta que entretanto marquei (claro está que não avancei a razão pela qual faltei à primeira!), que o dito consultório ficava efectivamente na Estrada de Benfica mas a uns escassos 5 minutos a pé da estação de comboios de Sete Rios - afinal, se tivesse conhecimento da outra entrada da Estrada de Benfica, teria poupado à mesma os malfadados escudos e, acima de tudo, as minhas pernas e a paciência... (Lição Nº1: Quem se mete por atalhos mete-se em trabalhos; mas, se te meteres por atalhos, ao menos que o faças conhecendo-os minimamente... e não é por uns míseros escudos do bilhete de autocarro que o teu orçamento vai colapsar).
Ou aquela vez, numa das minhas múltiplas idas ao cinema, acompanhado de pipocas e Iced Tea (e logo com o copo mega) e, depois de visionado quase todo o filme, degustadas a totalidade das pipocas e bebericado todo o Iced Tea, deu-me uma vontade avassaladora de "verter as águas" (é nestas alturas que se descobrem tremendas verdades científicas - o chá é diurético!! Boa!...) e, findo o filme, toca a correr e enfiar-me na casa-de-banho... das senhoras!!!! - e a odisseia que se passou para sair de lá completamente despercebido é outra história, digna das maiores comédias de Hollywood!... (Lição Nº2: Não entupir o organismo de quantidades brutais de Iced Tea sem ter ido ao WC antes de entrar para a sala de cinema) Ou ainda, numa outra ida ao cinema, em que o cenário acima descrito aconteceu novamente, exceptuando a escolha errada da casa-de-banho (e a vontade em mictar era mais atroz)... desta vez o problema esteve em encontrar um WC logo ao pé do cinema... os mais próximos estavam a ser limpos e, porque na minha ingenuidade (novamente!) desconhecia que havia lavabos escadas acima - estavamos em pleno Colombo, logo um centro comercial "tão" pequeno... - pus-me a correr, qual alucinado, pelo "mall" fora até encontrar a tão desejada casa-de-banho mas... sem antes ter encontrado um casal de amigos e ter estado uns intermináveis (pareciam-me!...) minutos em amena cavaqueira até que suspirei, em desespero de causa, um "vocês são boas pessoas mas tenho mesmo de ir ao WC"... Oh meu Deus, foi a micção mais agradável da minha vida (se é que tal acto pode considerar-se agradável) (Lição Nº3: Definitivamente, não beber Iced Tea mega quando for ao cinema)
(continua...)
Ou daquela vez, em pleno périplo pelo magnífico Egipto e após um vôo interno entre Cairo e Luxor, ao abandonar o avião dirijo umas palavras em árabe para impressionar a hospedeira - claro está que, quando não se domina o idioma, podem acontecer umas trocas "inocentes" de sílabas e o resultado final não é definitivamente o esperado. Queria somente ser amável e dizer "obrigado" em árabe (qualquer coisa como "chukran") e acabei por dizer algo tão hediondo que me coíbo de traduzi-lo aqui (acabei por dizer qualquer coisa como "muchram"). A hospedeira, mantendo a sua postura profissional, esboçou um sorriso amarelo e eu, na minha ingenuidade, pensei que o meu objectivo tinha sido alcançado - afinal, a impressão que deixei foi outra! e só vim a descobri-lo na noite desse dia, após uma conversa esclarecedora com o guia do nosso grupo. Ele bem me disse que tive um azar tremendo pois poderia ter inventado uma mera palavra sem qualquer significado perceptível ao invés de soltar tal barbaridade da minha boca (e não vou traduzir pois, qualquer que não domine o magnífico idioma árabe, não merece tradução - e ainda bem pois não quero dar mais pontapés em tal idioma...) (Lição Nº4: Se não sabes relativamente bem um idioma estrangeiro - mesmo que sejam somente umas palavras ou frases curtas - então não abras a boca!).
E daquela vez em que, em plena praia da Costa da Caparica, tive uma ataque fulminante de diarreia e fui a correr no encalço da casa-de-banho mais próxima (já viram que possuo uma relação muito especial com as casas-de-banho!) - devo ter batido o recorde dos 100 metros planos em terreno arenoso!!! (Lição Nº5: Nunca sabes quando a diarreia pode atacar impiedosamente... está sempre preparado para "dar corda aos sapatos"! Ah, e já agora, evita a exposição solar nas horas de maior calor - julgo que foi a razão para despelotar tal episódio!). Ou ainda aquela vez em que, no decorrer de um acampamento que estava a dirigir, estive a fazer as diversas perguntas do Estudo Bíblico às classes... sempre com a braguilha aberta! Realmente, eu bem via os chefes a gesticular algo e as crianças estavam particularmente desatentas... mas só no final percebi o que tinha sucedido, após um dos chefes confrontar-me com tal arejada realidade (e é melhor ficarmos por aqui, pois as palavras "braguilha aberta" e "crianças" fora do contexto são assaz perigosas...) (Lição Nº 6: Depois de ires à casa-de-banho, certifica-te de que a braguilha está fechada). Ou ainda, ainda num desses acampamentos (perdoem-me o pleonasmo!), ter proferido diante de um batalhão de crianças de tenra idade: "Vocês têm 50 minetes para fazer" em vez de "Vocês têm 50 MINUTOS para fazer... as tarefas da limpeza". Era o cansaço, nada mais!!! (Lição Nº7: Se estás muito cansado, têm particular atenção ao que dizes... pois o meu primeiro sintoma de cansaço é a dislexia verbal).
E há tantas outras histórias... a minha vida tem sido profícua em episódios hilariantes/embaraçosos do género... dava para abrir também um "blog" (mas prefiro manter-me um participante activo deste mesmo, compartilhando, sempre que se justifique, algumas experiências...) ou até escrever um livro - seria, porventura, mais interessante que as biografias "às três pancadas" dos participantes da hedionda "Quinta das Celebridades"... bem, isto é outra conversa!!
Bem... resolvi "postar" o comentário "às mijinhas" (perdoa-me o neologismo e o vernáculo, cara musa-grega-que-se-expressa-de-modo-tão-sublime-digno-de-Pulitzer :D ) pois estava com receio de que o meu computador bloqueasse - ele às vezes "lembra-se" de fazer tais gracinhas para chamar a minha atenção... e, efectivamente, consegue!!! - e perdesse assim todos estes intensivos e inumeráveis minutos de ávida produção literária.
OK, serviu tal partilha de experiências deveras embaraçosas para demonstrar a minha solidariedade para contigo (Sofia, não estás sozinha!), na esperança de que te tenha proporcionado momentos tão hilariantes quantos aqueles que vivi ao ler o teu relato.
Afinal, é importante que tenhamos essa notável capacidade de rirmo-nos de nós próprios quando confrontados com tais a(des)venturas, certo?! E teremos, certamente, muito para contar aos nossos descendentes... e proporcionar-lhes umas boas gargalhadas! ;)
PS: Também fui ver o "SEGREDO DOS PUNHAIS VOADORES" e gostei bastante - pelos cenários e paisagens magníficos, pela música, pelo confronto com tal cultura milenar, pela própria história em si, pelas imagens de pura beleza estética...
De cinéfilo para cinéfila, outras sugestões dignas de registo: "Mar Adentro" (notável!), "Hotel Rwanda", "Ray", "Million Dollar Baby", "Saw" (pelo argumento intrincado e nada previsível), "Vera Drake"...
que boa ideia a tua, ó grega! é uma delícia ler-te. bjs j
Bem escrito, divertido...com muita pitada, ò Grega...mas dos taoistas não se disse nada, do Tai-Chi muito menos e o Tai-Chi merece ser defendido, até porque tem uma historia longa. Se não for “facilitado” por um taoista, ao menos que tenha o dedo (vá lá digo só o dedo) de quem sabe destas coisas.....é que agora fala-se de Tai-Chi a torto e a direito (diria mais para o torto do que para o direito) e desde viet-taichi, go-taichi.....e outras aflorações, havendo até quem fale em milagres, de promessas de longevidade, elixir da juventude, sei lá mais o quê.......há-de tudo como na farmácia, desde os vendedores da banha da cobra, até quem percebe da coisa. “Cuidados e caldos de galinha nunca fizeram mal” antes pelo contrário. A minha experiência diz-me que vale a pena experimentar, mas precisei de alguns anos e de andar de mão em mão, quem como quem diz, subir uma qualquer rua íngreme, para perceber onde se perde tempo e dinheiro......e fé, seja nos taoistas ou outros.
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